Hoje vamos ler, com muita atenção, mais um conto de José Eduardo Agualusa, do livro ESTRANHÕES & BIZARROCOS.
Depois de leres, vais escrever nos comentários a tua opinião sobre a história.
O CAÇADOR DE BORBOLETAS
Vladimir recebeu muitas prendas no Natal, entre
livros, discos, legos, jogos de computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O equipamento incluía uma rede, um frasco de
vidro, algodão, éter, uma caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes
coloridos. O pai explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as
borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa forma, mesmo mortas,
elas duram muito tempo. É assim que fazem os coleccionadores.
Aquilo deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos
mas não sabia que era possível coleccioná-los,
como quem colecciona selos, conchas ou postais, talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas.
Foi para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um
lugar onde se juntavam insectos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que
guardara dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de algodão doce
– uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava. Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como
um arco-íris, mas ainda mais colorida e luminosa.
Sentiu o que deve sentir em momentos assim todo o
caçador: sentiu que o ar lhe faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria
muito grande. Lançou a rede e viu a
borboleta soltar-se num voo curto e depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou-a para o frasco e
ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha — disse-lhe. — Toda a tua beleza me
pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu
a mesma voz que há instantes o encantara:
— Isso não é possível — era a borboleta que falava. —
Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia
ali um homem sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
— Isso não tem importância. Ouve a minha história.
Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu
uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!”. E foi assim que
surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no
ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
— Não! — disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um
caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem
coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um
regato correndo, não era um riso de troça):
— Estás enganado. Há certas coisas que não se podem
guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de
um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No
entanto podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será
tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.
— Se eu te libertar agora — perguntou — tu serás
minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco
com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua — disse — e tu já és meu. Sabes? Eu
colecciono caçadores de borboletas.
Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O
pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com
orgulho o frasco vazio:
— Muito boa — disse. — Estás a ver? Deixei fugir a
borboleta mais bela do mundo.